Calçada para uma noite.

Sentou no fundo da sala, enconstou a cabeça na parede, pintada com cal, seu cabelo ficava todo cheio de pó branco que soltava da parede, mas ele não ligava, afinal ele não ligava mais para nada, tão sorrateio estava seu espirito que esses incomodos carnais não importavam, fazia muitos dias que não saia, nada das mulheres, nada das bebedeiras, nada das risadas, sentia-se preso, adornado ao seu passado e nada do presente sujo o agradava, pessoas feias por dentro, pessoas se escondendo na escuridão, todas querendo refugio, apoio, colo, mas quando saiam para procurar, voltavam com as mãos vazias e o coração cheio, cheio de mais sujeira. Ele não aguentava mais, estava se tornando corcunda, o peso que tinha nas costas era imenso, andava mancando, coitado. Um certo dia diserram-lhe:

- Arrume uma muleta garoto, vai ajudar você a suportar o peso.

Não obrigado, não quero mais me apoiar em nada, esses apoios sempre caem, machucam meus joelhos, não sei se vou ter forças para me erguer denovo, ou eu suporto sozinho, ou eu pereço na vala, pelo menos os cachorros das ruas lamberam minha boca, terei o gosto de ao menos na morte ser parte da escuridão da cidade, sempre imaginei como seria passar uma noite na rua, como aqueles moradores de rua, só tinham um cobertor e seus cachorros, mesmo sem os dentes, eles sorriam, andavam de um lado para o outro tentando achar abrigo, para passar mas uma noite. Eu ingrato, tenho o abrigo, tenho onde passar a noite, mas não tenho com quem passar a noite, nem um cachorro, nem a calçada, só a tristeza.